SEPARAÇÕES CONJUGAIS
O divórcio é lei humana que tem por objeto separar legalmente o que, de fato, está separado. Não é contrário à lei de Deus, pois que apenas reforma o que os homens hão feito e só é aplicável nos casos em que não se levou em conta a lei divina. (Evangelho segundo o Espiritismo, cap.XXII, item 5.)
É muito comum que se estabeleça o desgaste em tudo o que tem vida meteórica, em tudo o que foi construído pelo imediatismo, em tudo o que tem proposta de atuação ligeira no mundo, ou, ainda, em tudo o que é material. A condição fundamental da matéria é desgastarse, transformando-se um elemento em outro, modificando-se intimidade e aparência.
Contudo, não se esperaria o mesmo desfecho para os relacionamentos humanos caracterizados pelos vínculos matrimoniais, pelos laços da amizade, pelos liames da paternidade ou da filiação. Isso porque estes são relacionamentos que deveriam ser marcados por ligames da alma e que, por serem positivos e salutares, teriam a tendência de se fortificar cada vez mais, de se iluminar sempre mais, emprestando maior beleza à vida, com seus sedimentos destinados à perpetuidade.
As relações conjugais deveriam aprofundar-se mais e mais, permitindo aos seus partícipes absorver toda a beleza desse entendimento a dois, toda a estesia dessa entrega emocional, todo o impulso para o crescimento na direção de Deus. Porém, essa expectativa somente encontra sentido quando a formação do par se estriba no amor – esse sentimento tão especial, pouco conhecido a não ser em suas tintas mais periféricas, ou em seus arrufos mais sensoriais.
Uma vez que a grande massa das uniões conjugais terrenas se apoia em atributos muito superficiais – entre eles os sociais, os econômicos, os físicos, os políticos, os sensoriais – é de se esperar que, sem o necessário enraizamento no solo úbere do caráter bem formado, da maturidade emocional, da resistência moral frente a investidas perturbadoras, os ligames matrimoniais não consigam suportar. Tomam, assim, características bem materiais, bastante precárias, passando a ser presas de uma expressiva vulnerabilidade. Logo, tendem a ruir.
O impacto das diferenças
Um dos primeiros incômodos da relação matrimonial tem sido o impacto das diferenças. Enquanto para uns essas diferenças são desafiadoras, instigantes mesmo, fazendo amadurecer sempre mais a convivência, para outros vários elas são motivo de frustração, de desconsolo, de irritação, de depressão, proponentes da fuga, do abandono, do isolamento puro e simples.
Nessa linha se apresentam as diferenças dos níveis sociais, das capacidades intelectuais, dos dotes físicos, da beleza plástica, dos status econômicos ou dos valores morais e espirituais. Muitas vezes são diferenças de tal forma gritantes que exigem muita maturidade do elemento mais centrado, do mais estável espiritualmente, em síntese, do mais bem equilibrado, a fim de superá-las.
Na esfera das diferenças sociais costumam haver cobranças, exigências dos interesses de um e do desinteresse de outro, seja pela vida trepidante, das viagens, das festas, do bulício, das buscas permanentes de novidades. Para um pode ser excitante, prazeroso, enquanto que pode ser perturbador, grandemente infelicitador para o outro
As diferenças em termos intelectuais e econômicos podem gerar ambições doentias, processos de competição, de dominação doméstica, de exploração, de chantagens, de prepotência de um, de timidez de outro, nos mais distintos níveis.
Quanto aos dotes físicos e à beleza plástica, vale dizer que aí se podem achar os ingredientes para os processos de exibição lasciva, de exploração da sensualidade, de submissão sexual, bases de graves incidências de ciúme, de descabidas competições e de brigas, que, em muitos casos, derrapam para os quadros de violência e de morte.
Contudo, é no campo moral-espiritual que se estabelecem os contatos de luz ou de sombra na relação esponsalícia. É nesse nível que os estilos de vida individuais fazem a diferença. É a partir dessa dimensão que se mostram os vínculos espirituais dos parceiros conjugais. São as atitudes perante a vida, os vícios e as virtudes, as posições dignificantes e as indignas, as expressões de ternura, de dedicação e as de frieza ou indiferença que moldam a esfera psíquica do lar, alimentada pelas emissões fluídicas dos seus componentes, a eles retornando reforçadas pela envolvência, pelo encharcamento das entidades espirituais que se associam às lidas da família.
Em razão de tantas variáveis que interferem na vida mental dos casais, de sua conduta, de seu modus vivendi, é que encontramos as motivações para o fortalecimento ou para o afrouxamento dos vínculos conjugais.
Questão de maturidade
Quanto mais amadurecido seja o par – ou pelo menos um dos dois – mais difícil será romper com as suas ligações, tendo em vista a maneira com que atuará para ultrapassar as dificuldades que, invariavelmente, invadem a vivência conjugal.
Quanto menor seja a maturidade do casal, mais estressantes se mostrarão as incontáveis dificuldades que se apresentarão nos cenários de sua atuação. O casal imaturo não consegue dialogar. Parte para a agressão verbal ou física, ou para ambas; ajusta-se à frieza, ao isolamento, relegando-se, mutuamente, a segundo plano. Se um anseia por superar a dificuldade, o outro quer tirar tudo a limpo; se um resolve silenciar, o outro desacata, rebaixando seu silêncio ao nível da covardia ou da falta de hombridade. E, assim, vai havendo sempre maior esgaçamento do tecido relacional.
É comum se estabelecerem silêncios de gelo em casais imaturos. Cada qual se fecha em seu casulo moral-espiritual, desejoso de se impor ao outro ou de provocar sofrimento no parceiro ou na parceira. Ambos sofrem, mas o orgulho dá-lhes estranha resistência para que não cedam, a fim de que venham a padecer mais.
Encontradiço é, igualmente, em inexpertos casais, o jogo das chantagens. Simulam-se dores, mal-estares, prantos, doenças mesmo; inventam-se problemas, objetivando mobilizar os cuidados do outro, explorar os sentimentos ainda valorosos dos companheiros.
Entre as mulheres, há aquelas que, por ingenuidade, ilusão ou irresponsabilidade, permitem-se engravidar, quando pressentem o mareio da relação matrimonial, ou quando o homem dá mostras ou verbaliza sua decisão de romper com a vinculação. Essas não sabem, realmente, a que perigos maiores se expõem, assumindo o grave compromisso da maternidade em meio aos tormentos sentimentais por que passam. Um filho jamais deve ser usado como moeda de negociação entre adultos. É desastroso. É parvoíce. É desamor.
Entre os homens, há os que criam cenas que provocam ciúme na companheira, os que fazem ameaças, desde as mais comezinhas às fatais, tudo em nome do desvaloramento que atribuem a si próprios e ao desrespeito ao livre-arbítrio daquele que demonstra ou verbaliza o desejo de interromper o relacionamento.
Quando o casamento esteja ameaçado por alguma razão e a dupla, ou um dos dois, deseja mudar o rumo do problema, o diálogo positivo, respeitoso e franco pode ajudar imensamente. No diálogo deve-se procurar apresentar, um ao outro, o motivo da desilusão, sem fechar a porta ao entendimento, ao recomeço à renovação de atitudes. Nada de posições absolutistas ou individualistas tais como “eu quero”, “eu exijo”, “tu tens que”, “terás que”, etc.
No diálogo devemos nos abrir para falar e para ouvir. De repente, um se dá conta de que determinadas atitudes com que supunha agradar, ou nas quais nada via demais, tornaram-se fatores decisivos na fomentação dos problemas que se ampliaram. Em outros momentos, um deles dá-se conta de que foram as continuadas desatenções, a falta de uma demonstração de apoio ou de incentivo, a indiferença, enfim, a grande matriz dos desentendimentos.
Ao cabo do diálogo, ninguém perde, ninguém vence. Todos aprendem. Deve vencer o amor. Deve vitoriar a maturidade, quando os dois se resolvem por uma nova chance a ambos, pois é muito comum que haja equívocos e um e de outro lado. (Fonte: Desafios da Vida Familiar Raul Teixeira, pelo Espírito Camilo, p.97 a101.)